2024 nos deixou com algumas reflexões importantes. O Dicionário Oxford escolheu “Brain Rot” como a palavra do ano, destacando a preocupação com o impacto de conteúdos digitais de baixa qualidade na saúde mental dos usuários.

Pesquisando pelo digital, encontramos uma enxurrada de matérias sobre o tema. Por isso, quero compartilhar minha reflexão sobre o assunto: qual é a responsabilidade das marcas por todo esse conteúdo que geramos?

Vivemos em uma realidade hiperacelerada pelo digital, onde os gestores de conteúdo das marcas se acostumaram a produzir para saciar um apetite insaciável por novidades, trends e virais. Corremos atrás do imperativo do engajamento, tentando alimentar comunidades ávidas por promoções, cupons, ofertas e até mesmo pelos famosos memes do Melted Videos, Saquinho de Lixo e as notícias da Choquei. Tudo isso e ainda dá tempo de acompanhar a #publi de alguma marca com um influenciador que seguimos.

O Brain Rot vem no encalço de um cansaço perceptível com o uso das redes sociais. Espaços que nasceram com o objetivo de conectar pessoas e hoje são verdadeiros ecossistemas digitais que envolvem marcas, usuários, canais de mídia e outros atores. Essa sensação de constante excesso e escassez é um reflexo direto da baixa qualidade do que ganha projeção no universo das redes. 

Por exemplo, já reparou como o TikTok tem um caráter ‘replicativo’ na sua “For You”? Você assistiu o vídeo de um criador e começa a receber mais e mais vídeos dele, às vezes conteúdos de outros canais com cortes daquele mesmo criador em um volume colossal. Você também já passou por isso? Ou então, você vê um vídeo, digamos, de uma “dancinha” e começa a ver outras centenas de criadores fazendo a mesma dança. Mas você se lembra das dez músicas que mais ouviu na plataforma do TikTok no ano passado?

É muito conteúdo — e, ao mesmo tempo, quase nada memorável (no sentido radical da palavra, algo que pode ser lembrado). Eu sou da velha escola do Social Media e, mesmo naquela época, convivemos com o imperativo do engajamento a qualquer custo. Manter o engajamento no topo sempre foi uma métrica de sucesso. Mas, muitas vezes, isso nos afastou do conteúdo estratégico, que realmente tem algo a dizer, em favor do conteúdo efêmero, que ecoa por um momento e desaparece sem deixar qualquer legado para a marca.

Nos tornamos reféns das regras do algoritmo, deixando de lado estratégias fundamentadas nos valores e objetivos de negócios. Pior ainda, muitas vezes sacrificamos a identidade das marcas em busca de curtidas, comentários e compartilhamentos — métricas de vaidade que, no fim das contas, não constroem comunidades reais e deixam as marcas vazias de significado.

O BBB começou e várias marcas já estão pensando em gatilhos para criar “um viralzinho”. Não dá para negar o impacto que o BBB tem na nossa sociedade (e eu nem quero fazer isso). Somos aficcionados pela “Casa Mais Vigiada do Brasil”, mas será que tem espaço para toda marca aproveitar o hype do programa? Será que vale tudo pela audiência? Não dá para forçar goela abaixo de uma comunidade um conteúdo que não tem aderência com sua razão de existir. Tem muita marca que consegue se beneficiar, mas outras tantas não. Faz parte do processo. Não vale tudo pela audiência, esse é o ponto, até porque não é toda audiência que é relevante. 

Então, que tal em 2025 pensarmos em uma nova perspectiva? Vamos pensar na internet que queremos fazer parte, em vez de nos limitarmos a sobreviver nela. Usuários, criadores de conteúdo, marcas e comunidades: todos nós temos um papel — e uma responsabilidade — nesse cenário. Somos, simultaneamente, vítimas e vilões de uma cultura que nos leva ao Brain Rot. De quem programa o algoritmo a quem trabalha para alimentá-lo, todos podemos transformar o ambiente digital, cada um fazendo seu trabalho.

Meu desejo para 2025 é simples: menos métricas de vaidade nos planejamentos anuais e mais métricas focadas no sucesso real dos negócios. Menos culto ao hype e mais pensamento de longo prazo, focado na construção de comunidades autênticas para as marcas. 

Ainda há tempo para recalcular a rota. Podemos construir um ambiente digital que seja mais autêntico, mais responsável, e que realmente beneficie a todos — marcas, comunidades e usuários.

Cássio Martinez é publicitário e Owner e Ger. de Planejamento e Operações da VOR – Inteligência Coletiva. Especialista em Inteligência de Marketing e Big Data (ESPM) e em Semiótica Psicanalítica (PUC). Atualmente é doutorando em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM e pesquisa a relação da comunicação com as chamadas “Plataformas Digitais” na contemporaneidade.