Qual a sua opinião sobre os influenciadores/creators dentro do mercado financeiro? Qual o papel e quais os limites?

O influenciador financeiro, ou FInfluencer – como a própria ANBIMA nomeia – tem um papel central na popularização do letramento financeiro e de uma cultura de investimentos mais arrojados no país. O estudo que a B3 executou em 2020 chamado: A descoberta da bolsa pelo investidor brasileiro, mostra dois dados contundentes: 73% dos brasileiros dizem que aprenderam a investir através dos influenciadores digitais e 60% dos respondentes afirmam que usam esses canais para buscar informação sobre como investir.  

Fica claro que o investidor pessoa física que muitas vezes investe via plataformas de investimento, já nomeou o FInfluencer como sua fonte de informação e isso precisa ser assimilado pelo mercado. Porém, o que pesa nessa relação é que o criador de conteúdo financeiro trabalha no campo das ideias e prega dicas de investimento para seus seguidores, sem necessariamente dividir os riscos dos investimentos que ele mesmo aconselha. Isso acontece porque existe uma área pouco transparente sobre a relação do conteúdo ser ou não ser um material publicitário. Muitas vezes os influenciadores celebram contratos de longo prazo, com determinadas empresas do mercado, como corretoras, bancos e plataformas de investimento, mas seus conteúdos nem sempre são indicados com hashtags como #Publi ou #ParceriaPaga. Esse fato dificulta o processo de análise da transparência e a própria idoneidade do influenciador na hora de publicar um conteúdo e passar uma informação adiante. 

Visando melhorar esse processo, um estudo feito pela CVM no início deste ano apresenta indicadores para uma regulamentação da profissão de criador de conteúdo financeiro no Brasil. Esse estudo preliminar vê com bons olhos uma regulamentação que priorize a segurança do investidor e dê mais transparência para as relações entre creators e marcas, trazendo assim mais segurança para o conteúdo, separando quem faz um trabalho sério de indivíduos que usam as redes sociais para tornar o ambiente um campo meramente especulativo. 

 

Em um complexo cenário de intensa competição, de que forma você acha que empresas financeiras conseguem se diferenciar, mantendo os limites éticos?

A minha visão é muito parecida com alguns autores que entendem que toda empresa, independente de ser ou não uma empresa do mercado de comunicação, é e precisa se enxergar como uma empresa de “mídia”. Isso quer dizer que não dá para colocar a energia no setor de comunicação da empresa somente em momentos de maior visibilidade midiática. Para que a empresa seja uma empresa de mídia em seu segmento de mercado, ela precisa ser realmente capaz de estabelecer uma comunicação coerente e integrada e assim poderá explorar seus diferenciais competitivos, seus atributos mais valiosos para o mercado e de fato gerar uma comunidade que consuma o que a empresa pensa, cria, diz e comercializa.

Focando no mercado financeiro, tenho alguns pontos a serem levados em consideração na criação de uma estratégia de comunicação integrada que faça sentido para o todo e que seja um diferencial competitivo para o negócio. Parte do processo de explorar as potencialidades é compreender que toda organização é um ambiente repleto de inteligências variadas e diversas. Tão valioso quanto explorar as narrativas da marca, sua trajetória, a filosofia de existência e seus produtos e serviços comercializáveis, o papel de uma marca que pretende se diferenciar no mercado financeiro passa por dar protagonismo para seus colaboradores-chave – em geral pessoas que tenham capacidade de serem porta-vozes da marca – criando assim maior proximidade com quem acompanha a comunicação da empresa. Ter pessoas reais à frente da comunicação faz com que a marca se fortaleça e se humanize.

Ao construir e gerir uma comunidade é preciso responsabilidade com a idoneidade da informação que será veiculada. Fazendo um paralelo com a pergunta anterior, o ônus de induzir, por exemplo, um investidor ao risco, recai de forma muito mais forte para uma marca empresarial do que para um influenciador digital. É preciso andar dentro das quatro linhas da ética e da honestidade intelectual com quem pertence a sua comunidade. Outra parte importante do desafio de diferenciação está em carregar o nome da empresa em locais de alta visibilidade midiática como canais de mídia – programas de Rádio, TV ou podcasts com certo nível de audiência – e, criativamente, tentar estabelecer conexões verdadeiras com a jornada do seu público. É preciso abraçar o que é “ser uma empresa mídia” e estabelecer vínculos reais a audiência.

 

Na sua visão, qual o futuro da comunicação quando falamos nesse mercado?

O mercado financeiro como um todo é muito amplo e tem empresas em momentos diferentes de maturidade estratégica de comunicação. Há empresas como bancos, exchanges de criptomoedas e plataformas de investimento que fazem um trabalho bastante completo e integrado, contemplando todos os canais de forma consistente. Quando analisamos o mercado de investimento, por exemplo, mais especificamente das gestoras de investimento, consigo enxergar que estamos passando pela primeira década de uma compreensão profunda do potencial da comunicação, sobretudo da comunicação digital. Para essas empresas, acredito que ainda veremos muitos cases interessantes e inovações surgindo daqui para frente, principalmente na forma como elas se comunicam com os investidores.

Um ponto que levanto aqui e que vale ficar de olho e seguir pesquisando para os próximos ciclos é que o mercado financeiro, a partir do modelo que estamos experimentando de financeirização profunda (financial deepening) tende a ter cada vez mais empresas explorando o potencial de se “financeirizar” nos próximos anos. Do mesmo jeito que toda empresa pode e deve se enxergar como uma empresa de “mídia”, toda empresa também pode e deve saber que tem potencial para ser uma empresa financeira, com a capacidade de transformar seu público consumidor de produtos e serviços financeiros próprios da marca como meios de pagamento, cartões, tokenização de ativos etc. Os modelos inovadores pipocam em diversos lugares do globo e nos mostram que a concorrência, que hoje já é bastante acirrada, tende a se elevar nos próximos anos.

Para quem está no meio desse oceano, ajustando as velas (ou os remos, dependendo do seu tamanho), é imediata a necessidade de investir em comunicação e pensar estrategicamente no futuro da empresa. Afinal, para construir uma marca forte, uma comunidade ativa e uma história potente que terá valor percebido no futuro, é preciso investir no longo prazo. A comunicação que um dia foi uma área vista como custo extra em algumas empresas, nunca precisou ser tão encarada como investimento essencial igual atualmente.

Cássio Martinez é publicitário e COO da VOR – Inteligência Coletiva, especialista em Inteligência de Marketing e Big Data e em Semiótica Psicanalítica. Atualmente pesquisador do PPGCOM da ESPM comunicação e consumo. Suas pesquisas tratam da relação entre comunicação, consumo e as chamadas “Plataformas Digitais” na contemporaneidade.