“Tom de voz”, aclamado tema que se tornou herói em qualquer pauta de comunicação, definido como a “personalidade” da marca, a forma como ela conversa com seu público ou até, como a uniformidade de atitudes e valores. O assunto, que de forma singular, inspira produções de livros, artigos e congressos. Um termo que, como um remake da Netflix, é amplamente revisitado e redefinido nas mais profundas sutilezas e por diversos especialistas da área.

Pois, como clássico bom brasileiro, proponho polêmica! Calma, não teria sequer a pretensão de colocar em xeque anos de estudos acerca desta questão, mas discutir um novo olhar sob grandes conceitos nunca fez mal a ninguém.

Assim como na arte do cinema, e na vida, nem sempre os apaixonados ficam juntos. Então, hoje, vamos dar uma chance aos protagonistas que, apesar de vidas separadas e privadas, estrelam uma relação tão harmoniosa e perfeita, que parece de filme. Conheça, Tom e Voz.

Mas afinal, de onde ela vem?
O auto da Voz

Assim como o som vem antes da palavra, a Voz define de antemão a identidade da marca. Ela abraça valores, missão e cultura da empresa, além de refletir como se comunica com o mundo e se diferencia das outras. A Voz é o que vem de dentro e que, independente da situação ou circunstância, falará sempre de um mesmo lugar e sob a mesma perspectiva, gerando cada vez mais consistência e verdade no que diz.

Podemos pensar na Voz como a forma em que nos posicionamos em discussões sobre determinados assuntos, por exemplo. Considere que em sua rotina, você transite entre círculos de pessoas diferentes com quem mora, trabalha ou convive. Sob a perspectiva de se passar uma impressão consistente, o esperado seria que você sempre se posicionasse da mesma forma perante esses temas, mesmo em grupos diferentes. Ao ponto em que, após repetidas interações, todas estas pessoas tenham a sensação de que conhecem você, de como reage às situações ou, para os mais íntimos, do que gosta (ou odeia!). Ao escutar a frase “Gosto da fulana pois ela é engraçada”, perceba que a pessoa não “está”, ela “é” engraçada, e este traço pertence a ela. O que, em nosso dia a dia, chamamos de personalidade, na publicidade poderíamos apelidar de Voz.

Isso significa que, independente do que você faça, as pessoas vão gostar ou não da sua marca. Então, se deseja atrair um público genuíno, seja real sobre o que move sua empresa, o que suas pessoas valorizam e buscam.

Aplicando ao mercado, vamos analisar a Voz presente na comunicação estática (sem áudio ou animação) de duas empresas que compartilham o setor financeiro. Nas peças abaixo, temos uma postagem sobre segurança e a última campanha de Dia das Mães, de ambas as marcas.

O que elas dizem?

No lado Nubank, pelo uso da linguagem moderna, informal e memes, ouço uma pessoa urbana, “descolada”, onde gírias fazem parte do seu dia a dia, que desenvolve conversas com naturalidade e ilustra as histórias que conta. Enquanto, no lado Itaú Personnalité, ao notar um vocabulário mais formal, escuto uma pessoa mais séria, discreta, que fala de um lugar estável na vida e comenta suas conquistas sem receio.

As abordagens escolhidas para o Dia das Mães, também evidenciam os valores e o lugar de onde estas marcas falam. Na campanha do Nubank, chamada “Infinitas mães, infinitas possibilidades”, percebemos uma forma prática de lidar com a data na intenção de presentar bem (ou corretamente rs). Já na campanha “Mãe é amor em movimento”, do Itaú Personnalité, identificamos um olhar mais romântico e, até previsível, do que significa esta celebração no campo afetivo.

Duas vozes para dois públicos e ambas serão escutadas, apreciadas ou ignoradas, mas dificilmente agradarão as mesmas pessoas.

Para que uma pessoa seja voluntariamente ouvida, dois fatores importantes entram em cena: quem escuta, e o tom de quem fala. O que nos leva ao próximo personagem dessa trama e inclui, ainda, uma nova polêmica: Tom de voz, é um só mesmo?

A diferença entre “não” e “NÃO!”
50 tons do Tom

Ao considerar, então, que a Voz não muda, como poderíamos explicar as variações das marcas para comunicar ao seu público a empolgação por uma novidade, a celebração por uma conquista ou a seriedade por um tema mais delicado? É quando ganha os holofotes, o multifacetado, Tom.

Para explicar sua importância, vamos revisitar nossa infância. Em 2012, um estudo divulgado pela Escola de Psicologia da Universidade Cardiff, no Reino Unido, descobriu que bebês entre 14 e 18 meses reagiam da mesma forma às palavras “whoops!” (em português, um “iupi”) e “there” (algo similar ao nosso “oi!” com a voz bem fofa, no Brasil), independente de serem faladas em inglês ou grego. Os pesquisadores concluíram que, nesta fase de vida, a criança responde às pistas que conseguem interpretar do Tom e forma ‘como’ falamos, e não ‘o que’ falamos.

Esta curva de aprendizagem se acentua de forma que, rapidamente, entendemos a diferença entre um rigoroso “NÃO!” e, um cuidadoso e paciente, “não não”. Compreender o tom do locutor para, então, decidir como reagir a uma determinada situação, faz parte de nosso instinto de sobrevivência.

Esse ponto de vista, quando incorporado à comunicação de marcas, aponta para o Tom como uma versátil, e indispensável, ferramenta para transmitir a emoção por trás da mensagem. Ele pode (e deve) variar e adotar uma postura ora amigável, ora formal, descontraída, séria, etc.

Assim como no estudo com bebês, na publicidade isso também é aplicável. Abaixo, vamos comparar a forma em que duas grandes marcas setam o Tom em suas comunicações e, assim, dão vida à sua voz e identidade.

Mais que concorrentes, nêmesis. As gigantes do fast-food, apesar de rivais aclamadas em mesmo tom de Brasil e Argentina, bolacha e biscoito, Coca-Cola e Pepsi, compartilham não apenas o mercado global, mas também o mesmo senso de humor. Não se trata de mera coincidência, já que olham para o mesmo público-alvo. Vamos analisar, eles: Méqui e BK.

Imagine o texto da publicação do Méqui em linha reta, usando uma fonte Arial e fundo de cor sólida. Neste cenário, restaria somente a frase e imagem do hambúrguer.

Com apenas estas informações, ainda seria possível identificar a Voz da marca. A escolha de palavras, expressões informais, além da referência ao festival, nos permitiria interpretar sua personalidade como urbana, conectada com as tendências e apreciadora de festivais e música. Em resumo, esta mensagem seria ouvida pelo leitor. Agora, vamos perceber a importância do visual nesta peça para revelar o verdadeiro Tom da comunicação. A escolha da fonte, o movimento criado com as palavras, a referência aos memes nas imagens de fundo, tudo isso certifica o tom bem-humorado para a Voz do McDonald’s, nos garantindo uma interpretação precisa sobre a brincadeira, dramatizando o fim do festival e da edição especial do hambúrguer.

Já o Burger King, mundialmente conhecido por suas coroas descartáveis, sem escrever uma palavra, em uma imagem, diz todas. Não é preciso ser o Houdini da comunicação para arriscar um palpite de que a legenda seria algo próximo a “Vai ter coroa da Barbie™️, sim!!! 👑💖”, que foi o conteúdo postado. Apesar de se apoiar em dois símbolos muito fortes para passar a mensagem, quem acompanhou toda a #trend de pessoas vestindo rosa nos cinemas para assistir à estreia de Barbie, entende que muitas pessoas fizeram isso espontaneamente, assim como muitas não se sentiram à vontade (ou não tinham um look rosa), e estava tudo bem. Tal movimento, também, se passa há anos com as coroas do BK. É fácil ver pessoas pelas ruas usando o acessório, assim como é fácil se questionar se você usaria. Pois, se o BK fosse uma pessoa, ele definitivamente usaria e isso se traduz na Voz naturalmente divertida da marca que, em alguns momentos, assume até o tom de ironia ou, como é popularmente conhecido, deboche.

Confira a publicação feita, pelo Burger King, logo após a última cerimônia de lançamento do iPhone 15, realizada pela Apple, ironizando a suposta falta de novidades incluídas na versão mais recente do aparelho:

Conhecer a própria Voz e praticá-la em diferentes contextos, permite que a marca transite com mais naturalidade entre os diferentes tons. E, mais uma vez comparando ao mundo, quanto mais se conhece algo ou alguém, menos a pessoa ou marca precisa dizer para ser compreendida.

 

A Voz do tom e os Tons da Voz

Diante de tudo que analisamos, entendo que a Voz de uma marca é única e imutável, em aposto ao Tom, que é múltiplo para se adaptar às diferentes situações e contextos de fala.

Talvez você não perceba, mas com a introdução das redes sociais e troca de mensagens instantâneas em nossas vidas, muitas pessoas se tornaram quase especialistas em Tom. Para garantir sucesso na interpretação de seu “leitor”, existe um trabalho minucioso na seleção de emojis  que melhor representam a emoção daquela mensagem. Fora dos apps, podemos pensar com grande carinho na resposta “a gente se fala depois”, por exemplo. Porém, basta posicionar um cuidadoso emoji de coração ❤️ ao final da frase para que, em apenas um carácter, você expresse sem sombra de dúvidas o sentimento que a mensagem carrega.

Em palestra ao TEDx Kingston Upon Thames de 2018, a dubladora e diretora britânica, Janina Heron, discutiu a voz enquanto ferramenta para a comunicação e conexão entre as pessoas. De forma quase poética, ela define o Tom como a maneira em que julgamos a intenção de algo, enquanto ouvintes, e a forma como comunicamos significado, enquanto falantes. 

Com a forte, e crescente, tendência de personificação entre as marcas, a comunicação vem lapidando com esmero este olhar ao detalhe, tornando cada vez mais tênue a linha entre o real e virtual. Não me chocaria, em alguns anos, ser recebido em uma loja de departamentos por um robô assistente de compra, programado por IA, que transmitisse em sua voz, trejeitos e interação, todos os valores que somente um grande embaixador ou embaixadora da marca conseguiria.

Para concluir, gostaria de compartilhar minha percepção de que o mercado está buscando uma segmentação de conteúdo cada vez mais precisa. Além disso, devido à recente e ainda baixa regulamentação das políticas de privacidade e dados dos usuários, é notável – de forma curiosa e coincidente – que as vozes das marcas, assim como nossas músicas preferidas, estejam se tornando cada vez mais agradáveis aos nossos ouvidos.

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Johnny Alves é conteudista e redator. Iniciou sua carreira produzindo campanhas para um app de delivery, já deu voz a empresas do setor de tecnologia e também de consultoria financeira. Atualmente, na VOR Digital, ele impulsiona a comunicação estratégica de marcas como o Instituto Inhotim, Banco e Consórcio Toyota.